Trabalhava mecânica e ininterruptamente, como sempre. Os dedos digitando compunham uma melodia que se espalhava em trajetória angular, a se juntar a outras, formando uma enorme sinfonia. Os barulhos das teclas eram as percussões enquanto os suspiros e resmungos, os sopros, e uma marchinha murmurada nasalmente por alguém distraido fazia o papel das cordas.
Imaginou sua fuga. Levantaria bruscamente, interrompendo a sinfonia - pois uma orquestra não pode continuar a tocar se um dos percussionistas levanta-se abruptamente de sua cadeira e pára de tocar -, correria por entre as mesas e divisórias, sem pensar, derrubando o que estivesse no caminho. Desceria correndo pelas escadas, ligaria o carro, avançaria o sinal vermelho, deixaria o carro no meio da rua, subiria as escadas, agarraria seu par e os filhos e entraria depressa no carro, debaixo de palavrões e buzinas agressivas.
Tocaria pelas ruas, veredas, estradas e campos, sem parar, até chegar a algum lugar deserto, longe de qualquer resquício de civilização. Destruiria o carro, talvez o queimasse, e desfaria-se de suas roupas e relógios, e notas de dinheiro. Beberiam água de rio, fariam uma casa de madeira e palha, lavrariam a terra e caçariam para se alimentar. Os filhos não aprenderiam mais matemática ou inglês, mas sim lições de sobrevivência. Nada mais de vacinas, nada mais de aspirinas. Que seriam úteis, pois novos bebês nasceriam, visto que não haveriam anticoncepcionais.
As crianças tornariam-se adolescentes; os bebês, crianças. Haveriam novos bebês. Como é de se esperar no ciclo de vida natural dos seres humanos, a sexualidade haveria de aflorar, e seria entre os irmãos ou com os pais. Com o tempo, a linguagem se restringiria a poucas palavras, e não haveria mais escrita. Em épocas difíceis o egoismo e a inveja gerariam conflitos, e algum espertinho aprenderia a lascar uma pedra. A matança, o incesto e a barbárie iriam predominar, e tudo terminaria numa grande fogueira acesa em louvor de uma nova divindade imperativa e cruel.
Piscou. A tabela, exposta no monitor e refletida nos óculos, os números, números e mais números justamente onde estavam antes. A mão tinha parado de digitar por um instante, desequilibrando a sinfonia. Relaxou os músculos das pernas e ajeitou os óculos, como se se desculpasse para com a orquestra, e a mão, trêmula, encontrou seu tempo de volta na música.
Imaginou sua fuga. Levantaria bruscamente, interrompendo a sinfonia - pois uma orquestra não pode continuar a tocar se um dos percussionistas levanta-se abruptamente de sua cadeira e pára de tocar -, correria por entre as mesas e divisórias, sem pensar, derrubando o que estivesse no caminho. Desceria correndo pelas escadas, ligaria o carro, avançaria o sinal vermelho, deixaria o carro no meio da rua, subiria as escadas, agarraria seu par e os filhos e entraria depressa no carro, debaixo de palavrões e buzinas agressivas.
Tocaria pelas ruas, veredas, estradas e campos, sem parar, até chegar a algum lugar deserto, longe de qualquer resquício de civilização. Destruiria o carro, talvez o queimasse, e desfaria-se de suas roupas e relógios, e notas de dinheiro. Beberiam água de rio, fariam uma casa de madeira e palha, lavrariam a terra e caçariam para se alimentar. Os filhos não aprenderiam mais matemática ou inglês, mas sim lições de sobrevivência. Nada mais de vacinas, nada mais de aspirinas. Que seriam úteis, pois novos bebês nasceriam, visto que não haveriam anticoncepcionais.
As crianças tornariam-se adolescentes; os bebês, crianças. Haveriam novos bebês. Como é de se esperar no ciclo de vida natural dos seres humanos, a sexualidade haveria de aflorar, e seria entre os irmãos ou com os pais. Com o tempo, a linguagem se restringiria a poucas palavras, e não haveria mais escrita. Em épocas difíceis o egoismo e a inveja gerariam conflitos, e algum espertinho aprenderia a lascar uma pedra. A matança, o incesto e a barbárie iriam predominar, e tudo terminaria numa grande fogueira acesa em louvor de uma nova divindade imperativa e cruel.
Piscou. A tabela, exposta no monitor e refletida nos óculos, os números, números e mais números justamente onde estavam antes. A mão tinha parado de digitar por um instante, desequilibrando a sinfonia. Relaxou os músculos das pernas e ajeitou os óculos, como se se desculpasse para com a orquestra, e a mão, trêmula, encontrou seu tempo de volta na música.