23 de outubro de 2008

Alfa e Ômega

Alberto é seu nome, e não se lhe faz desgosto. Apesar de engraçado. Abre os olhos, depois de tentar andar com eles fechados, e de não aguentar depois de um tempo. A manhã, fresca, tem cheiro de chuva passada, aroma de verão. A caminhar pela rua, e não interessa mesmo de onde vem, muito menos seu destino - até porque eu mesmo não lhe poderia dizer, por não sabê-lo -, Alberto não nos pareceria, se lá estivéssemos, a pessoa mais contente do mundo. Aliás, fechara os olhos por um motivo. A simples memória de seu trabalho, rotina desinteressante, mecânica inevitável de uma máquina irrefreável, causa-lhe asco. Andar parece a solução, mas não: a lembrança não lhe escapa do cérebro. Ao ponto em que qualquer um não mais aguentaria e saltaria de um prédio... Acha a solução! Apaga, de uma vez só, tudo o que se relaciona de algum modo com o trabalho.
Anda mais um pouco, agora aliviado, até avistar, no canto, um sujo e maltratado mendigo. Agora que está em paz, não quer em sua alma mais nenhuma perturbação: apaga o mendigo. Ainda mais a frente, crianças brincando num balanço. Apaga-as, por distração. Apenas agora está lá o balanço; apaga-o. Animado, apaga o vendedor de balões e o guarda de trânsito, apaga os carros brancos, que sempre achou sem graça, e depois todo carro. Apagar cada vez mostra-se mais divertido, e ele apaga cada jornal, cada chapéu, cada pacote de biscoito. Apaga o banco. Apaga as árvores e os animais que a parasitam, e um ou outro cachorro. Apaga seu último cigarro (admitamos que nunca o tenha acendido); apaga o amor e o ódio - apesar de pensar que, no fim, são o mesmo. Até a própria rua, a calçada, o chão, o ar, o sol, o ser, apaga tudo.
Agora, e só agora, afinal, Alberto sente-se Alberto. Ausente o mundo, ele consegue finalmente perceber-se, e não só, pode ser o que é de fato; agora, e só agora que está desvinculado de todo o resto. A totalidade (a eternidade também, pois ele apagou também o tempo) resume-se a ele, singular indivíduo. Ah, mas espere, parece que há ainda algo... Alberto terá esquecido de apagá-lo? Abrupto, e ainda sutil, um cheiro fresco, de chuva passada, indefinido; aroma de verão.

18 de outubro de 2008

Me arrependo do que escrevo.

Todo dia eu penso em deletar esse blog..
Mas eu deleto esse pensamento.


PS: Créditos do título para o Luiz (acho).

17 de outubro de 2008

para Luisa (sem título)

Gira, gira, e ao girar
lança, contente, no ar,
um arco-iris a cada volta,
do magenta ao anil.
Terpsícore rodopiante,
se é amada ou é amante
agora já pouco importa:
sumiu..

15 de outubro de 2008

Alguém sabia.

Mas ninguém assobia o que é agelasto.

13 de outubro de 2008

Intercessão; interseção.

Sempre recatado e tímido, uma certa vez, no ônibus, pensou, pensou e decidiu, num impulso - pois há certas coisas que, para fazê-las, há de enganar a si próprio ou não se deixa fazer, reprime-se; decidiu e, antes que pudesse pensar o contrário, levantou-se e apoiou na catraca, na frente do ônibus.

Atenção - disse em voz alta - todos! Nunca falei nada em público, mas estou precisando me testar. Precisando testar a mim e ao mundo, precisando saber que vocês também pensam como eu: que a vida é uma trama de conexões e desconexões, o cotidiano é uma rede de desconhecimentos, uma trança de histórias que se perpassam, ainda que não se tenha idéia de que isso ocorra, ou ao menos idéia de quais são essas histórias e de quem são os sujeitos dessas histórias. É incrivel, pensem, como nossas histórias estão interligadas por esse episódio, e como talvez já tenham se encontrado antes, quem sabe depois, mas ainda assim nós não nos conhecemos nem talvez nos conheceremos... E mesmo se nos conhecêssemos no futuro não lembrariamos uns dos outros! Não é incrível pensar nisso e saber que isso acontece o tempo todo à nossa volta?

Silêncio, depois balbúrdia. Ninguém prestou muita atenção no que ele - que foi sentar, vermelho - disse, mas não lhe fez diferença: nunca mais voltaria a encontrar nenhuma daquelas pessoas.