30 de setembro de 2008

Sinuca

Entorna, retorna, revém,
pesada, bigorna,
a culpa do que não fiz
por um triz, ou algo sem
vontade de ser feito.
Choro no seu peito
metade de ser
infeliz.

12 de setembro de 2008

(se) Jogar

Ele tinha um jogo. Em lugares lotados de gente, fixava seu olhar no de outrem, por quanto tempo agüentasse e quem – regra arbitrariamente (mas qual regra não o é?) criada por ele próprio – desviasse o olhar primeiro perdia a partida. Não tinha um nome para o jogo, diga-se rapidamente para que não se faça prolixo, já que era uma coisa que fazia sozinho e só para si. Passou, depois de um tempo, a andar com uma caneta no bolso, a marcar com traços na mão quantas vitórias obtinha em determinada viagem de metrô ou no caminho de algum lugar até qualquer outro.
Nunca ele havia perdido, e já imaginava que nunca perderia; tinha força, uma vibração austera no olhar, não vacilava. Entrou num ônibus, já lançou mão da caneta que estava, como costume, no bolso e olhou decididamente nos olhos cinzas de uma mulher sentada na janela, no meio do ônibus. Ela não desviou o olhar; eram olhos bonitos, de fato, e apesar de fixo nos olhos, o olhar dele foi atingido pelo rosto da moça iluminado de sol e recebeu uma impressão sensível de beleza inusitada. Firme, permaneceu olhando.
Dez segundos passaram, os olhares fixos, a ponte invisível que ligava os dois pares de olhos cada vez firmava-se mais; trinta segundos, quarenta. A viagem desenrolava-se, o resto do ônibus movimentava-se num amálgama de gente atrasada e suada, e os olhares há um minuto e vinte e cinco segundos se contemplavam. Ele agora, completamente encantado com a força e altivez daquele olhar esquecera-se já do jogo e olhava apaixonadamente. Nada mais importava senão aquele olhar... Basta!, ele tinha que se aproximar da mulher.
Deu um passo, olhando para não pisar no pé de ninguém, mas ao olhar de volta para a dona dos olhos cinzas, percebeu, amargurado, que ela com um sorriso maldoso na boca fazia um firme risco de caneta na palma da mão esquerda.