tag:blogger.com,1999:blog-48679635814670926702024-02-07T04:51:37.116-08:00GraptósDaniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.comBlogger66125tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-65595073690950546572013-07-27T19:35:00.000-07:002013-08-20T16:43:59.145-07:00<div style="font-family: inherit; text-align: justify;">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhr9dATDGn0YSW6jY61lbaDEIuoabr8UMUeD3zb1jMfyOsSeAWoqkpaY9Jz11Hn7hjiauoTneejYE1NB1NaixHYXzHa7w0Waoi7yK2wfJ7JIVIXxRt8CVPphVeGCkvvXHH56DT_smajAp8/s1600/title_.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="79" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhr9dATDGn0YSW6jY61lbaDEIuoabr8UMUeD3zb1jMfyOsSeAWoqkpaY9Jz11Hn7hjiauoTneejYE1NB1NaixHYXzHa7w0Waoi7yK2wfJ7JIVIXxRt8CVPphVeGCkvvXHH56DT_smajAp8/s320/title_.png" width="320" /> </a></div>
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Este blog, desde que surgiu como uma idéia meio boba, tem enveredado por um caminho que pouco a pouco foi se delineando conforme os textos iam se desenvolvendo: a tentativa de derrotar o tempo. O tempo, o tempo é o maior inimigo da humanidade, o grande problema, o vilão dos vilões, e se eu conseguisse pelo menos desafiá-lo, nem que fosse brevemente, estaria contente!</div>
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Sendo assim, não faz sentido que as postagens sejam organizadas cronologicamente - isso é desde o princípio ser subjugado pelo tempo! Por isso, graças à ajuda do meu amigo Barty, que é um mago da programação para web (te amo, Barty, muito obrigado!), estou disponibilizando este magnífico <b>ORÁCULO</b>!</div>
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A cada vez que a página for atualizada, um novo link será exibido abaixo, para uma postagem aleatória, e você não precisará ficar cavucando o blog por uma postagem legal. Teste a sorte! <br />
<br />
(É claro, você pode explorar o blog cronologicamente, simplesmente descendo a barra de rolagem. É outra experiência, mas não há de ser ruim.)</div>
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<b>O oráculo diz que você deve ler o post...</b></div>
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Boa leitura!</div>
Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-37014437691036117482012-12-24T12:59:00.000-08:002013-08-20T17:13:33.893-07:00Dom CasmurroE se a ópera não começa na primeira ária<br />
mas sim já no solo, e depois sim vem o duo<br />
terníssimo?<br />
<br />
A vida, em seus mundos,<br />
é uma ópera, viste; pode ver.<br />
E se o tempo, nos olhos fundos,<br />
insiste em, com mistério,<br />
congelar, se reter,<br />
faz-se não importar<br />
um adultério, traição,<br />
um beijo cortês,<br />
um olhar matreiro.<br />
Trair é fazer de dois três,<br />
mas quem é o terceiro,<br />
então?<br />
Quem sabe eu, ou mesmo tu.<br />
Não.<br />
É impossível trair em amor:<br />
Não há culpa, dor, nada se faz,<br />
só há, no mais, Capitu.Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-80333532899705701302012-05-20T17:10:00.000-07:002013-08-20T17:10:28.977-07:00VerdadeE vai lá o homem à lua<br />
e é sua ela agora,<br />
pois a partir da hora<br />
em que se torna crua,<br />
em que a coisa se desvela,<br />
é do homem. Fim.<br />
Pois sim, que sobre ela<br />
por mais que se insista<br />
não se sabe a metade,<br />
não se tem pista;<br />
se queriam a verdade,<br />
se era esta a meta,<br />
por que cientista?<br />
Mandassem um poeta!<br />
Logo desse lá a vista<br />
com crateras, com vazio,<br />
espaço deveras,<br />
estrelas, mais de mil,<br />
num pedaço macio<br />
de papel lunar<br />
em palavras meras<br />
iria descrevê-las,<br />
ou ao menos tentar.<br />
Escreveria do astronauta<br />
o gracioso bailar,<br />
e poria em linhas<br />
a cratera mais alta<br />
e o rolar das pedrinhas<br />
quando, a ela escalar,<br />
desse, surpreso, falta<br />
do mar.<br />
Mandaram (pena?) cientista,<br />
que logo fez esquema,<br />
passou trena, pesou rocha,<br />
sem qualquer ponto de vista<br />
anotou cada minério.<br />
Está ai o problema:<br />
ao se ter nua resposta,<br />
sobre a lua tanta pista,<br />
perde ela<br />
(pois revela)<br />
todo o seu mistério.<br />
Mas venha cá quem vier,<br />
até quiçá, militar,<br />
ao levantar o olhar<br />
e perceber, rente,<br />
o surpreendente domo,<br />
por mais que se tente<br />
não há mesmo como<br />
ser somente voyeur.<br />
Em conquistas quaisquer<br />
ideias surgem,<br />
ideias somem.<br />
Certo é que aqueles homens<br />
que à lua foram com alfas e betas<br />
foram cientistas,<br />
mas voltaram poetas.Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-91818503641022930362011-06-27T15:36:00.000-07:002011-06-27T15:36:50.397-07:00A Onda<div style="text-align: justify;">De velha já basta eu - é o que diz a mulher que, com um gesto ligeiro, abandona o aparelho na calçada. Já não funciona há algum tempo, o tal rádio antigo, guardado há tanto no quarto inútil onde se conservam as coisas de que já não lembram mais os moradores da casa, mas de que não tiveram coragem pra se desfazer. Hoje, não se saberá por que, a senhora dona da casa resolveu criar coragem e abandonou-o na calçada, em frente ao prédio. Pode-se imaginar que não tem mais valor sentimental, nem prático, já que há aparelhos de rádio muito mais funcionais e modernos, e o conserto de um aparelho antigo como este sairá mais caro que um dos novos, que tão melhores aparentam ser. Alguém haverá de querer este trambolho - pensa ela enquando fecha o portão do prédio atrás de si.</div><div style="text-align: justify;">Pois às vezes as senhoras donas de casa têm razão, e dois homens que passam em frente ao recém-referido portão encontram com os olhos o rádio e, com os mesmos olhos a se encontrar, resolvem sem nada dizer que ele pode ser valioso. Levam-no.</div><div style="text-align: justify;">Há em determinada esquina um cartaz pintado com tinta preta numa placa de madeira, onde lê-se, com dificuldade, a frase "Compro antigos - brinquedos, rádios, telefones, curiosidades e coleções". A porta na parede, logo abaixo do cartaz, leva a um cômodo minúsculo com as mais variadas espécimes de antiguidade, sendo na maioria os artigos descritos no cartaz. Os homens chamam a pessoa que está lá dentro pelo nome e ela sai. É uma mulher gorda, com uma roupa pastel e cheiro de mofo. Ela se mescla às antiguidades, e por isso os homens não a viram a princípio.</div><div style="text-align: justify;">Depois da negociação, o rádio é vendido a vinte reais. É um preço justo para os homens que só tiveram o trabalho de carregá-lo por dois quarteirões e para a mulher, que não o venderá tão facilmente - pois precisa de lucro e não tem muita clientela naquela rua.</div><div style="text-align: justify;">Por estas razões, no dia seguinte, ela vai até a feira de antiguidades, no centro da cidade. Entrar na feira é como andar no tempo, pois não só as coisas, mas também as pessoas que ali estão exibidas são de outras épocas , de outras cores, geralmente tendendo ao sépia. Ela chega e vai de encontro a um senhorzinho de óculos, suspensórios e boina xadrez. Ele é tão antigo quanto as coisas que vende, e pode muito bem ter utilizado alguma delas na época em que ainda eram utilizadas.</div><div style="text-align: justify;">Depois da negociação, o rádio é vendido a cinquenta reais. É um preço justo para a mulher, que teve o trabalho de negociá-lo duas vezes e trazê-lo até a feira, e para o velho, que precisa de algum lucro, mas não precisou carregar o rádio e nem precisará.</div><div style="text-align: justify;">Ao fim da tarde, um rapaz de óculos e mochila se aproxima do rádio. Ele parece gostar muito, se admira com o desenho antigo do aparelho, sente um cheiro que é familiar, cheiro de velhice, cheiro de avô; pensa que consertar um apetrecho destes é coisa relativamente barata, e que seria muito charmoso ouvir música nesse aparelho tão antigo. Pode-se pensar que alguns jovens não conseguem mesmo se adaptar ao tempo, e querem tanto voltar alguns anos que, por isso, se rodeiam de objetos antigos. Seria este um caso.</div><div style="text-align: justify;">Depois da negociação, o rádio é vendido a setenta reais. É um preço justo para o velho, que não teve nenhum trabalho, e para o moço, que sabe que antiguidades, por serem raras, são caras.</div><div style="text-align: justify;">O rapaz chega em casa com o novo artefato, limpa e leva para a sala. Chama os pais - eles hão de achar interessante, pois devem ter tido contato esse tipo de aparelho algum dia. Assim que põe os olhos no rádio, a mãe imediatamente exclama:</div><div style="text-align: justify;">Olha, mas que coincidência! Coloquei ontem mesmo um rádio desses na calçada!</div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-20851078162252014112011-06-12T03:38:00.000-07:002011-06-12T03:38:00.660-07:00Lua CheiaCorre, pula, salta,<br />
vira, sacode a areia<br />
do pé, que só leva a falta<br />
de qualquer sapato ou meia.<br />
Escala, fala, fala,<br />
mas, tão logo se cala,<br />
abre riso de lua cheia,<br />
riso longo que serpenteia<br />
no rosto curto de menina.<br />
Corre, pula, Janaina!Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-58280367111057696872011-06-05T00:31:00.000-07:002011-08-17T06:23:28.223-07:00Doma<div style="text-align: justify;">Com uma ordem simples, um movimento de mão do menino, ela o obedecia. Atravessava o pequeno riacho, subia rapidamente uma árvore, esticava-se e tentava agarrar uma galinha. Era completamente submissa a ele. Ao mais simples comando diminuia, crescia, rastejava-se, levantava vôo na forma de um pássaro.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Enquanto isso a mãe observava de longe, da janela, o divertido espetáculo que era o filho a brincar com a própria sombra.</div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-68431013154932563322011-05-28T23:15:00.000-07:002011-05-28T23:27:48.323-07:00Relatividade I- Com licença, garçom, mas tem sopa na minha mosca.<br />
<br />
- Não era ensopada?<br />
<br />
- Não, cozida ao vapor.<br />
<br />
- Mil desculpas então, senhor. Vou trocar. Perdoe o inconveniente!<br />
<br />
- Tudo bem, tudo bem, esse ainda é o melhor restaurante do brejo. Onde mais um sapo pode comer uma mosca tão saborosa por esse preço?Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-7360432542985399362011-05-22T20:00:00.000-07:002011-05-22T20:05:40.691-07:00Bolo<div style="text-align: justify;">Olha, mas não vê. Procura, vasculha. Os músculos já lhe doem, razão pela qual se move um pouco, troca a posição das pernas e logo dos braços. Os olhos também já não estão tão bem, e as mãos esfregam as olheiras. Olhando de longe, parece uma escultura, estátua, parada enquanto tudo ao redor se move; situação que dialoga com a dos já referidos olhos, que parecem mover-se sem parar enquanto tudo em volta deles estagna.</div><div style="text-align: justify;">O ambiente ao redor cada vez mais se alenta e o movimento pouco a pouco começa a cessar, e o corpo, que mesmo com os olhos vacilantes ainda permanecia parado, move-se, como se quisesse contrariar o entorno, quase brusco: suspende-se todo sobre si, e se solta. Um suspiro. Os pulmões se enchem totalmente de ar e o liberam, mas com o ar parece sair também algo mais.</div><div style="text-align: justify;">Levanta-se, olha, mas não vê. Procura, vasculha uma última vez, mas já sem esperança: a pessoa por quem está a esperar não vem.</div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-46406901674407051132011-04-06T15:46:00.000-07:002011-04-06T16:24:03.671-07:00Poema com sonoTento abrir, o olho fecha;<br />
tento abrir, sai um bocejo.<br />
Num lampejo, vejo a mecha<br />
do cabelo, loiro açoite,<br />
e ao vê-lo vem desejo<br />
(não evito, é o ensejo)<br />
de sonhar com ela à noite.<br />
Mas é sonho, é só sonho,<br />
e ao acordar me exponho;<br />
já tardio, me dou ré.<br />
A sonhar, dormindo em pé<br />
fantasio, e antes fosse,<br />
que este verso, sendo doce,<br />
fosse escrito com café.Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-17892530134530928612010-10-28T11:20:00.000-07:002010-12-22T22:42:07.056-08:00Central Vazia (ou A Solitude)<div style="text-align: justify;">Correu até a borda da varanda, olhou lá pra baixo, na rua, observou os carros, que, desgovernados por não terem mãos nos seus volantes nem pés nos seus pedais, tinham se chocado entre si e com a paisagem. Olhou para o horizonte, os olhos vasculhando a imensidão procurando por algum movimento que não o das nuvens no alto. Correu escadaria abaixo, procurou pelo porteiro, pelo jornaleiro, mas não encontrou. Esperou um ônibus por um minuto – talvez menos – mas impaciente com o silêncio que, num zumbido ensurdecedor, lhe penetrava os ouvidos, desatou a correr pela rua, em direção ao único lugar que lhe rendia um fio, um filete, de parca esperança. Entrou, ofegante, com ânsia, na Central do Brasil. Ninguém.</div><br /><div style="text-align: justify;">Saiu pelo portão, agora já com mais calma, devagar, de cabeça baixa, e olhou para o céu como se se, só então, se conformasse, e até como se gostasse um pouco da idéia, como se fosse uma escolha própria. Era a única pessoa existente na face da Terra.</div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-4053407175511450032010-10-01T10:16:00.000-07:002010-10-01T10:21:30.731-07:00Caixa de Pandora<div style="text-align: justify;">Contra o chão da calçada o homem se arrastava e se encolhia pra se proteger das pancadas do policial. Um círculo de pessoas se formava em torno do bizarro espetáculo de violência, mas o fardado não se intimidava - na verdade o público lhe fazia aumentar ainda a convicção dos movimentos.<br />Batia com força, chutava com o bico do coturno o homem que, magro, sujo, de farrapos por veste e nada nos pés, não abria de jeito nenhum a mão. O punho cerrado não cedia, por mais que o policial vociferasse maldizeres e ordenasse que abrisse. A mão, por sua vez, só crispava-se mais e mais em torno da prova do crime que procurava o oficial.<br />A surra começou a ficar sangrenta quando entrou em cena o cassetete. O bastão subia e descia no ar, e o rosto do mendigo se desfigurava e escurecia a cada descida. Nenhum dedo da mão dele ousava afrouxar. Nenhum observador ou passante ousava ajudar, tampouco.<br />Eis que, depois de considerável tempo, contra o negro do chão, do sangue e da mão, que, inerte, relaxou, escapou por entre os dedos duros o segredo tão preservado: uma pequena borboleta azul voou sobre o corpo e sobre a multidão, e sumiu contra o anil do céu.</div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-62641143698915190022010-09-02T11:11:00.000-07:002010-09-02T11:17:12.613-07:00Alvoroçer<div style="text-align: justify;">Cada um está em seu lugar. Os primeiros fregueses da manhã, os olhos ainda apertados, indo para o serviço ou simplesmente adeptos do cedo acordar, a bocejar no balcão; a menina que recebe os pagamentos no caixa, a sorrir simpática e um tantinho sedutora, esperta, mais clientela retorna, mais comissão - comissão é a estratégia de ouro num pequeno negócio; os dois rapazes do balcão, um simpático, sorriso no rosto cansado, o outro carrancudo mas organizado como uma abelha no estoque e cozinha; eu, como sempre, do outro lado da rua, a olhar tudo e fumar um cigarro.<br />Meu trabalho se resume a pagar os funcionários, não permitir que nada saia do controle e, no mais, observar e fumar. Observo o efeito da manhã nos transeuntes, nos clientes e nos funcionários deste pequeno estabelecimento: a manhã silencia. Enquanto a tarde chama um diálogo produtivo e a noite chama um desmedido, selvagem, a manhã ainda carrega consigo um pouco do solipsismo onírico, um pouco da intimidade do leito, da solidão do sono, da solitude silenciosa da madrugada. Então as pessoas se calam. Falam só o necessário através das suas gargantas roucas. "Café", "puro", "pois não", "bom dia", "cinqüenta centavos", "bom dia", "pingado", "bom dia".<br />Até os jovens que trabalham pra mim, que a essa altura já são seres da alvorada, silenciam: o sorriso hospitaleiro, a organização minuciosa, o olhar nos olhos, inocente mas com promessa de sensualidade, tudo isso é envolto pelo mais denso silêncio - mais até que o silêncio madrugal, que não se percebe, pois não se precisa tatear, já que tudo está imóvel. Esse silêncio da manhã é um silêncio que se precisa (não) ouvir, precisa-se atravessá-lo. Não há ecos nas primeiras horas da manhã. Cada som é prontamente engolido pelo silêncio tão logo tenha sido entoado.<br />Observo por um longo tempo a clientela e meus empregados realizarem sua dança sem música, sua cena sem trilha sonora. Dou um trago no cigarro, e ao fazê-lo posso ouvir o fumo estalar, queimar fazendo barulho de destruição, de consumação. Posso ouvir o som da chama, o som do queimar isolados como ilhas no meio do mar de silêncio que afoga a todos os presentes. Então começo a ouvir outra coisa. Está vindo nesta direção, mas muito distante. Vem aumentando, crescendo e encorpando, um tipo de burburinho, um conjunto de sons diferentes muito distante, quase imperceptível a princípio, vindo de todas as direções. Vem como uma infestação, dominando bem devagar as ruas, casas, rios, céu e terra, de todos os lados até cercar a pequena padaria, e, por fim, a toma. Acaba-se o silêncio: os sons de conversas, automóveis, animais, um certo cochicho do mundo passa a se ouvir o tempo todo, em todo lugar. O silêncio denso se esvaiu, e agora as pessoas até se locomovem mais rápido pelo espaço que ele ocupava. As pessoas despem-se do pouco que lhes restava da subjetividade intimista em que estiveram imersas durante a madrugada e revestem-se dos seus arquétipos preferidos, geralmente barulhentos.<br />Acendo mais um cigarro, mas este queima em silêncio.</div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-70736611184474338442010-08-10T13:17:00.000-07:002010-08-10T13:21:48.621-07:00Oásis<div style="text-align: justify;">"Vinha caminhando pela rua (...), e a primeira coisa que ele viu foi o largo macacão de lona azul-escuro, com uma alça meio frouxa, quase deslizando pelo ombro e deixando mostrar mais a camiseta branca que o cobria, além dos seios e a barriga, é claro. Embaixo, tênis e um andar patético, de pés imperceptivelmente voltados pra dentro e com passadas preguiçosas, arrastando um muito pouco o pé no chão a cada passada. Os braços compridos e sem vida balançavam mais que o necessário, e numa das balançadas, sem perder o balanço, o braço direito veio até o rosto, e as costas da mão encontraram o nariz esmagando-o, deformando o desenho que as poucas sardas faziam, e liberando assim o som engraçado de uma fungada. Os olhos castanhos, assustadoramente escuros, grandes e bobos, que num primeiro momento tinham pálpebras relaxadas e olhar distraído, apertaram-se muito mais que o necessário durante a fungada, e a boca fina, que já tinha um meio-sorriso só do lado direito, franziu-se toda para este mesmo lado. O gesto foi lindo, uma fungada expressiva, que contraiu todo o rosto dela pra depois deixá-lo voltar, devagar, à expressão despreocupada e idiota que impressionou tanto o observador. Logo depois da fungada ela balançou rapidamente a cabeça pra um lado e para o outro, sacudindo os cabelos da mesma cor dos olhos, meio embaraçados, um tanto cheios, espalhando-se pelo ar sem um formato definido até quase tocar os ombros. Ela era linda. A alça do macacão caiu, enfim."</div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-40022081463359025242010-07-26T20:29:00.001-07:002010-07-26T20:29:57.139-07:00LívidaBranca;<br />já teu nome te decanta.<br />Falta até que não faz tanta<br />coisa assim de uma vez.<br />Linda, lírio, pele em tez,<br />e a lingua alinha e outra vez<br />eu não sei como é que se diz<br />'delírio' em português.<br /><br />Tanto!<br />Teu nome me entrega e eu canto,<br />mas volto logo pro meu canto<br />pensando em esquecer de vez..<br />Linda, lírio, pele em tez,<br />e a lingua alinha e outra vez<br />eu não sei como é que se diz<br />'delírio' em português.Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-47893760893582507532010-07-24T20:32:00.000-07:002010-07-26T18:58:54.263-07:00O minuto de cinco anos<div style="text-align: justify;">"Abre a porta e sai sem rumo, anda por ruas e estradas esmas e descobre um novo caminho pra chegar até onde nunca havia estado. Conhece novos sons, novos rostos, novos gostos, conhece novos conheceres. Entende que ir e voltar são mais ou menos o mesmo, e que não há de fato um 'lá' nem um 'cá'. Dá. Vai até onde consegue, pelo menos pra descobrir que também não há fim. A esmo, vai. Vai!"<br /><br />Ao que o outro (ou será o mesmo?) responde: "Ai, espera só um minutinho..."</div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-18319212202214630702010-07-19T06:16:00.000-07:002010-07-19T20:23:42.407-07:00PospotênciaE, na última página, uma frase boiava solitária no meio de um plano branco, dando (por tirar) sentido a tudo: "Tudo nesse livro pode estar errado."Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-14391332972924863222010-04-30T10:05:00.001-07:002010-04-30T10:21:00.762-07:00Mergulhador de Aquário<div style="text-align: justify;">Marina já ao nascer recebeu dos pais o nome que lhe definiria até sua morte. Quando criança, passava a maior parte do seu tempo na praia, sentindo o vento salgado que soprava de longe, do horizonte. Vento que acariciara baleias e sereias, rostos de pescadores e palmeiras de ilhas desconhecidas e trazia pequenas moléculas de tudo isso para ela, que por sua vez as capturava com seus braços abertos. Cresceu, e entrou no mar, ao encontro do que só experimentara até então com a pele: tornou-se mergulhadora profissional.<br />Não havia medo, não havia receio. Ela era um peixe, ou melhor, uma gaivota curiosa e sem fome, que mergulhava decisiva, não pra devorar criaturas marinhas, mas pra observá-las de muito perto, com os olhos arregalados. O mar era um território conhecido, onde se sentia a vontade e acolhida. Nadava como se fosse, também, feita de água salgada, como se, quando saísse do mar, precisasse colocar uma máscara pra respirar aquele ar tão leve, que deixava seu corpo tão pesado.<br />Foi contratada por um grande aquário para mergulhar ao tanque das tartarugas e bater fotografias de divulgação; ao descer, desesperou-se. Mergulhar num aquário, apesar de enorme, era muito diferente de mergulhar no mar. Era uma garrafa, uma caixa claustrofóbica, sem saida, escura; seu corpo estava mais pesado e ela desmaiou.<br />Seria agora hora de um herói entrar na história, alguém rápido, um bom nadador, mergulhador profissional de aquário, surgir por entre a âncora falsa decorativa, no meio das tartarugas-marinhas, ou melhor, das tartarugas-de-aquário, e salvar Marina. Mas não, ninguém veio... Como se sabe, não existe tal coisa, um mergulhador de aquário.<br /></div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com13tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-6715923084653028902010-04-30T10:00:00.000-07:002010-07-21T07:16:55.418-07:00Mergulhador de Aquário (addendum)<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.blogger.com/video.g?token=AD6v5dyWmxEIwdRlNBzhwZ94eYOS-6IIBnxDf0B9OqVC7OPw2Wkevn_qil4V7mYH2tFbanbI4farLp0Vt8BW9unq' class='b-hbp-video b-uploaded' frameborder='0'></iframe>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-47852677536112853652010-04-18T08:17:00.000-07:002010-04-18T08:37:33.675-07:00Fãs<div style="text-align: justify;">Todo galã tem suas groupies. Este tinha também, e tão logo aparecia, elas gritavam a plenos pulmões, exaltando-o. Mas não eram gritos comuns:<br />- Aaaaaaahhh!! Gordão! Gordão! Gordão!!<br />E iam a loucura. Ele fazia uma firula e elas se animavam mais, gritando em êxtase.<br />-Dentuço! Dentuço!!!<br />No meio dos gritos podia-se até ouvir uma tiete gritando sozinha, mais alto que as outras:<br />-Seu balofo orelhudo!!<br />Ou até:<br />-Adoramos sua bunda obesa!!!<br /><br />E lá ia ele, contente com a ovação, sabendo-se certamente o elefante mais bonito da savana.<br /></div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-64394458026147363802010-04-13T13:21:00.000-07:002011-05-22T21:37:43.881-07:00Olhar (a) fundo<div style="text-align: justify;">A menina disse, distraida, displicente, daquele jeito sonso que faria qualquer garoto se apaixonar, que gostava de olheiras. Desde esse dia, e por isso, o menino - que era apaixonado por ela - parou definitivamente de dormir. A cada dia ele tomava mais e mais café e remédios pra ficar acordado, e até algumas drogas, quando ficava mais difícil manter-se de pé. Quando suas pálpebras estavam quase cerrando-se e a imagem dela começava a surgir num princípio de sonho bom, ele as abria com toda a força e permanecia acordado. Teria as maiores olheiras que alguém já vira, e ela o amaria.<br />
Ela, ainda assim, não reparou, e depois de cinco dias acordado, o garoto teve um problema fatal por falta de oxigenação no cérebro. Ele, já algumas horas antes de morrer, só balbuciava coisas sem sentido e o nome da menina.<br />
Já no velório, ela olhou fixamente para o rosto castigado pela loucura e vigília forçada do menino e reparou: ele era lindo. Chorou um pouco por nunca ter se permitido conhecê-lo, mas de repente viu num canto o melhor amigo dele, com os olhos muito fundos de tanto chorar.<br />
Apaixonou-se na hora.</div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-28062395236160249922010-04-07T15:22:00.000-07:002010-04-18T10:45:14.641-07:00Anti-Edimion<div style="text-align: justify;">Acordou depois de um sono longo, daqueles de que se acorda tonto, sem saber direito se acordou ou se nasceu. Caminhou cambaleante, apoiado na parede e na própria testa, até o banheiro, onde lavou o rosto contraido pela claridade forte do mundo externo às suas pálpebras. Café. Dormira tanto que não desejaria dormir nunca mais, assertiu em hiperbólico pensamento.<br />O dia aconteceu, a noite chegou. Não sentiu sono, nem com a madrugada embaçando lentamente (a madrugada é sorrateira, assim como seus transeuntes) as vidraças com seu frio úmido. Deitou, de qualquer jeito, às vezes o sono vem sem esperarmos; estamos a pensar na morte da cabrita quando sem querer os pensamentos são lentamente, vulpinamente retirados dos magros dedos da razão e ficam livres: a cabrita ressucita, o funeral se torna uma festa, o cemitério agora tornou-se sua casa (mesmo que não pareça com ela) e estamos com a cabrita, fumando passas ao rum num cachimbo de pistache. Já não tem volta: estamos dormindo.<br />Mas a cabrita continuou mortinha. Não se sabe se a razão resolveu segurar com mais atenção essa noite ou se aquele café lá na manhã anterior tinha sido deveras forte, mas o sono não veio. Continuou na cama, insone, a pensar "sabia que não deveria ter dormido tanto ontem". A aurora, depois de uma longa noite, dedilhou o horizonte e o dia veio, acabando com a possibilidade de talvez dormir. "Hoje à noite pelo menos durmo bem", foi o pensamento que guiou os passos até o banheiro e que passou direto pelo bule de café.<br />Outro dia aconteceu, outra noite chegou. Mais uma vez deitou na cama e não dormiu. Como podia ser, depois de mais de trinta e seis horas sem dormir? O corpo humano não costuma agüentar desperto por mais de quarenta horas, foi o que descobriu na enciclopédia quando desistiu de dormir. O recorde é de quatro dias e mais um pouco. A noite começava a ficar entediante. Agora sim entendia por que dormimos à noite: não se tem nada pra fazer. Leu até o amanhecer e depois de lavar o rosto, jogou o pó de café no lixo.<br />Mais um dia aconteceu, e mais outro, e mais duas noites passaram sem que dormisse. Algo estava errado, e não era possível que fosse a enciclopédia. O médico lhe receitou uns calmantes e uma conversa com um psicanalista. Os calmantes foram comprados e tomados, e mais um dia e uma noite passados em vigília. A situação estava ficando complicada, o médico já não acreditava na história.<br />Situações extremas, medidas extremas. Já não pensava com clareza, precisava dormir! Estava muito perto de enlouquecer; as mãos a tremer, os olhos a afundar-se nas olheiras pretas, sulcos redondos amarelecidos que deixavam seu rosto ridiculamente pálido e amedrontador. Não podia continuar com isso. Fechou as janelas e as portas, e colocou o colchão ao lado do fogão. Abriu todas as saídas de gás. Conforme o metano ocupava o ambiente, menos oxigênio sobrava pra ser respirado, e a figura deitada de pijamas, sob os lençóis, numa cama improvisada no chão da cozinha, pôde sentir a atividade do seu cérebro se reduzir, a névoa onírica tão conhecida começar a apoderar-se das percepções. Os olhos semicerraram-se. Finalmente.....<br />Mas não. Algo aconteceu, e nada pior, pensou desesperado logo depois, poderia ter lhe acontecido nesse momento: acordou do sonho.</div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-32450939948332766132010-04-06T13:23:00.000-07:002010-04-06T14:35:58.149-07:00texto do autor.<div style="text-align: justify;">Não, não existe nenhum texto de não-ficção aqui. O porquê não era tão certo; agora descobri, eu não existo. Não existo fora das minhas histórias. Não existo fora das minhas mentiras, fora das minhas invenções, dos meus personagens - aqueles que só existem em palavras, aqueles que vivem através do meu corpo (ora, que absurdo!, como se os primeiros também não vivessem..).<br /><br />É impossível, pessoas existentes, viventes ou imagináveis, ler o que eu escrevi, sentir saudades de mim, me achar estranho, gostar de passar um tempo comigo, se apaixonar por mim. Não há um eu. Surpresa! O mágico sempre esteve desaparecido. A verdadeira mágica era mostrar-se, sem podê-lo.<br /><br />E, aos leitores sagazes, não se animem: não sou quem vocês imaginam estar a escrever esse texto. Ele (o texto? ou o 'quem'? fique a ambigüidade, que é melhor) é só ficção também. Eu, que vos digo estas coisas, sou um mero personagem, sem rosto, sem nome, mas com essa característica: escrevo, conto histórias, minto e não existo além dessas coisas. Deixarei de existir (ou não?) em algumas linhas, e o blog continuará ai, abandonado, pois o autor dele sou eu.<br /><br />Que besteira.<br />Só há ficção.</div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-13788863012550208572010-02-15T23:27:00.001-08:002010-02-15T23:27:47.961-08:00Acabou a festa.Não aguento mais, chega. Agora chega mesmo.Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-88715286332264294192010-01-12T15:46:00.000-08:002011-05-22T21:36:34.369-07:00Sadismo sentimental<div align="justify">Estive a observar a cachoeira por um longo tempo. Toda a água caente, interminável, da pedra - quem, por um momento, pensaria que tal rocha pudesse verter água? -, não me deixou outra escolha. A cascata forma, aqui embaixo, um poço, um pequeno espelho d'água, onde me apraz nadar.</div><div align="justify">Ela, entretanto, continua lá em cima, do alto da cachoeira, a fonte. Estive a olhá-la por um tempo, silente, mas ainda não pude fazer tão difícil escolha: continuo a nadar no belo lago formado pela queda d'água ou faço com que ela, a pessoa que está lá em cima, deixe de chorá-la?</div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com23tag:blogger.com,1999:blog-4867963581467092670.post-71469768857663375382009-12-22T11:10:00.000-08:002009-12-22T11:14:25.523-08:00Lágrima<div style="text-align: justify;">Seu devir é um breve rubor acompanhado de um arrepio, cujas causas, desconhecidas, são o único conhecimento possível no momento observado. O entrecortar ansioso da respiração anuncia, sem erro, o fenômeno que seguirá; sente-se algo subir e percorrer a extensão do corpo e inundar o momento: o espaço e o tempo. Ela brota, vindo de lugar nenhum e instantaneamente (sendo, assim, inespacial e atemporal); sem que se queira, mas inimpedível; abrupta e ao mesmo tempo cálida, confortável. Ela reflete o mundo, iluminada por ele, mas o rejeita, pois ele é a causa de sua sôfrega existência. Uma parte liquefeita daquele que a chorou, mas – assim como a poesia está para a prosa – condenada a se conter, concentrada, condensada, como se a tristeza de todo um corpo pudesse reunir-se num só ponto e separar-se desse corpo. Desliza cortando o rosto, desprende-se dele, molha o chão. Contradição e tautologia, metáfora e metonímia, vontade e desejo. Tudo o que se foi neste momento reunido numa gotícula, que se faz em milhares de frações ao se espatifar no solo, espalhando por ele todo o sentimento. Logo vem outra.</div>Daniel Gaivotahttp://www.blogger.com/profile/12271874339059718671noreply@blogger.com11