13 de julho de 2008

Homônimos

Acordou atrasado, pegou sua mala e o crachá de identificação e correu pra fora do apartamento minúsculo. Quase perde o elevador; outro morador segurou-lhe a porta por favor. Ele agradeceu, esbaforido, a gravata por apertar e a camisa pra fora das calças. O crachá foi ao chão, ao que o outro, sempre gentil, agachou-se e pegou, enquanto o primeiro ajeitava-se para o espelho do elevador.
- Ora, mas veja que coincidência, vizinho! Somos xarás.
- Também se chama Eduardo?
- Não é que me chamo?
- Que engraçado. - disse, sem mais o que dizer.
- A gente mora a vida inteira num prédio e não sabe o nome dos vizinhos.
- É.
Como que para salvar o primeiro Eduardo, que não sabia conduzir uma conversa - menos ainda quando atrapalhado -, o elevador parou três andares abaixo, e entrou um senhor. Pôs-se no meio dos dois, para alivio do primeiro Eduardo, pois a conversa pareceu que ia interromper. Mas o segundo era de falar, não suportaria ficar dois minutos dentro de uma caixa fechada sem comunicar-se.
- Como são as coisas, não? A gente mora a vida inteira no mesmo prédio e não repara nos outros. O senhor acredita que tenho o mesmo nome do meu vizinho?
O homem não pareceu dar muita atenção, e até ficou um tanto aborrecido por ser abordado assim, o que agradou ao primeiro, mas o segundo continuou:
- Não é, Eduardo?
- Eduardo? - o velho olhou, franzindo o sobrolho.
- Sim, somos os dois Eduardos.
- Ora, mas que coisa! Somos três então!
- Mas veja só!
Os dois pareciam duas crianças animadas com a novidade. O primeiro só queria chegar ao térreo logo. Iria ter que ouvir do chefe novamente. Como era seu dia de azar, aparentemente, o elevador parou mais uma vez, dois andares abaixo. Um homem magro, de barba e óculos entrou, livro debaixo do braço.
- Bons dias!
- Bom dia - responderam em coro o segundo e o terceiro Eduardos.
- Não vá dizer que também chama-se Eduardo, vai? - riu-se o segundo, que era o que mais falava. O homem riu-se:
- Por que?
- Imagine que coincidência incrível, entramos os três, e só os três, no mesmo elevador, e todos chamam-se Eduardo! Não é impressionante?
- É algum tipo de brincadeira? - o barbudo não parecia entender.
- Não, é verdade!
- Mas.. Como pode ser? ...Também eu me chamo Eduardo!!
O caos então instalou-se no elevador de vez. Os três gritavam exaltados que não poderia mesmo ser verdade, que aquilo era história pra ir pro Fantástico, que era digno de algum conto Kafkiano (esse foi o quarto, que parecia ser algum tipo de intelectual); Eduardo, o primeiro, só queria saber de endireitar a gravata. O elevador já não era pra ter chegado ao térreo? Diabos!, pensava.
Quando alguém já pensava em telefonar para um programa de televisão, o intelectual disse, rindo:
- Ok, amigos, desculpem! Desculpem mesmo, mas vocês estavam tão animados com a história dos nomes que não pude fazer outra coisa senão mentir.. Na verdade me chamo Roberto. Desculpem acabar com a graça.
Os outros três ficaram perplexos por um segundo, o mais velho ficou vermelho, o silêncio reinou por uns momentos ainda, até que o velho, ainda rubicundo, disse, finalmente:
- Confesso. Também não me chamo Eduardo. Fui batizado Neemias... Só entrei na brincadeira porque minha mulher vive dizendo que eu sou muito antipático, quis testar um pouco de bonacheirice.
- É... Pra dizer a verdade - o segundo falou, depois de um tempo, olhando para o primeiro - meu nome também não é Eduardo. É Juliana. - Todos olharam com estranheza e em sincronia para ele. Ela.
Eduardo não disse nada, e não diria, mesmo que a porta do elevador não tivesse aberto pela terceira vez: o térreo, finalmente. Saíram os quatro, sem falar. Pelo espelho, uma quinta pessoa poderia vê-los de costas saindo do elevador, tão diferentes, e completamente iguais.

1 de julho de 2008

186

Tinha uma profunda relação com todos aqueles que compunham sua enfadonha rotina, desde os amigos mais próximos àqueles que nem sabiam de sua existência, como o motorista do ônibus, que dizia, todo dia, Olá, ou Boa Tarde. Conjecturava em seu quarto o que as pessoas pensavam, se tinham para consigo também tal apreço, e a cada dia esforçava-se pelo amor destas pessoas. Tinha em sua mente as mais incríveis relações com estas, que tomava por verdadeiras histórias de vida. O motorista do ônibus, que haveria de ser sozinho, sem amigos e um pouco carente de atenção, sentiria, também, uma amizade incrível contida naqueles cumprimentos casuais, e o velhinho do açougue, sempre que lhe dava aquele aceno de cabeça pensava em como era sua vida, e imaginava se um dia haveria de lhe conhecer. Tudo isso poderia muito bem ser verdade, veja-se bem; o fato é que, de sua cláusura de timidez e absurda necessidade - não satisfeita em momento algum - de atenção, não poderia saber. Ainda, mantinha suas relações internamente e pré-conceituava os (des)conhecidos. Este era uma boa pessoa, aquele não. Fato é que qualquer traço de simpatia forneceria razão para que se acreditasse na bondade de alguém; muito provavelmente um assassino simpático seria uma ótima pessoa, em sua concepção.
Numa noite de Novembro morreu: suicidou-se em seu quarto, com remédios calmantes. Ao lado da cama foi encontrada uma caixa de papelão, repleta de envelopes pardos etiquetados. “Motorista do ônibus”, “carteiro”, “atendente loira e alta do caixa do supermercado”, “atendente morena com sardas do supermercado”. Cento e oitenta e seis pessoas receberam cartas no dia seguinte, relatos, roteiros de histórias que nunca haviam acontecido. Verdadeiros romances, até desentendimentos e reconciliações, vidas que só existiram em uma mente, e agora em papel, mas que fizeram-se reais conforme as pessoas as liam. As cartas deixavam claro como alguém havia tido por elas, durante tanto tempo, uma afeição infantil, bonita, como haviam sido imaginadas e como foram amadas. Alguns nunca se sentiram tão queridos, outros ficaram surpresos por serem conhecidos tão intimamente por alguém que nem sabiam quem era. Os cento e oitenta e seis compareceram ao velório. Todos choraram.
Se também tivéssemos recebido uma carta e também estivéssemos no velório, poderíamos experimentar nos aproximar da pessoa no caixão, e se prestássemos bastante atenção, veríamos claramente um rastro de sorriso satisfeito, pueril, no canto da sua boca. Estava feliz.