3 de março de 2009

Déjà vu

Começa assim: ele tem a ligeira impressão, que não é nada ligeira mas sim arrastada, como se demorasse mais do que o tempo que dura – definição que agradaria Bergson –, sensação no mínimo assustadora. Ele, entretanto, acha graça a princípio, afinal tem completa certeza de que aquele momento, em todos os seus detalhes, desde seus pensamentos até suas sensações e toda a construção do mundo como lhe é apresentada, já aconteceu antes. O momento seguinte, surpreendentemente, se faz exatamente do mesmo modo: como que previsto. A verdade, pensa ele, é que não previu nada, mas a sensação de já ter passado por aquilo se repete para cada evento – inclusive para esse exato pensamento. Ele sabe o que está acontecendo. Logo essa sensação vai passar (e inclusive essa certeza parece ele já ter experimentado), e a vida continuará como era antes do estranho fenômeno neurológico – como preferem os homens da ciência rotular.
Ele, enquanto pode, aproveita, acha graça, uma graça que tem certeza já ter sentido, uma perplexidade repetida, uma seqüência de eventos perturbadoramente iguais a outros que ele sabe que nunca experimentou, embora sinta que já. Esse saber certamente nunca ter experimentado aquelas coisas, com o tempo (tempo?), vai desvanecendo, e essa teoria tornando-se fraca, pois a sensação não passa. Será que ele de fato já passou por tudo isso? Viagem no tempo? Pré-cognição? Não parece caso de super-poderes.
Começa a ficar desesperado. Um déjà vu não dura mais que alguns segundos, e faz cinco minutos que o mundo, em todos as suas manifestações, se repete diante de seus sentidos. Ele tenta fazer algo inusitado, como se jogar no chão ou gritar uma palavra inventada (coisas que ele não teria feito em um possível passado muito parecido com o presente), mas ele sente que também aquilo já experimentou.
Ele entende que, se esta sensação se estender ininterrupta, até o fim de seus dias, não fará mais sentido acreditar em (ou nem sequer dizer o vocábulo) tempo. Presente, passado e futuro já não são bastantes, ou talvez sejam palavras demais agora para definir ou tentar abocar o que é tempo. Ele (o personagem, não o tempo), nesse momento, passa a existir em um outro tipo de realidade, passa a ser um sujeito fora do mundo, já que este é ontologicamente relacionado (leia-se dependente) ao tempo. Na verdade, se tudo o que ele pensa, planeja ou faz se lhe parece (e o que lhe parece é o que define sua realidade) já anteriormente feito, e esse momento “anterior” é subordinante do agora, ele não é um indivíduo ativo. Só faz aquilo que faria pois já fez. Ele não é nada, senão expectador de uma série de eventos que já presenciou antes (mas que nunca aconteceu de fato).
Ele decide, pois, que irá acabar com essa agonia, e sobe as escadas do prédio. Vai até a cobertura e, sem emoções (pois sem o inusitado, sem a sensação de descoberta, de desvelamento do desconhecido, as emoções são diferentes: mais fracas). Salta. Os poucos segundos que demora pra chegar até o chão decorrem sem grandes emoções, pois tudo aquilo não tem nada de novo. Mas a beleza da queda vertical, retilínea, do corpo está no fato de que está tudo chegando ao inicio. O momento do encontro com o chão, como o esperado, é algo que ele sente já ter experimentado. Algo que parece sóbrio, parco, mas o seguinte!
Ele finalmente sente algo que sabe nunca ter sentido, apesar de não estar de volta no mundo nem inserido de volta no tempo. Ele finalmente é; não-sendo.

5 comentários:

Daniel Gaivota disse...

Esse texto fará mais sentido quando você ler o texto abaixo.

Daniel Gaivota disse...

Sério, leia.

chayenne f. disse...

Não vou ler.

chayenne f. disse...

brinks, vou sim.
:P

Daniel Gaivota disse...

Hauhauahuahuha!