10 de novembro de 2008

Necroses

Não faz sentido algum.

Saio de casa e piso, acidentalmente, numa formiga. Ao suspirar, de pena, incinero milhares de bactérias. Mato, mato o tempo inteiro e não só isso: morro também o tempo inteiro. Porque tudo o que nasce neste mundo hora ou outra, inevitavelmente, deixa de ser. Viver nada mais é do que um processo gradual e ascoroso de morrer. Em todas as coisas que conhecemos, as que tocamos e as pelas quais somos tocados, e inclusive no próprio toque, há morte. Tudo está morrendo, tanto quanto matando. O mundo, o palco do que chamamos vida, é uma grande esfera orgânica de mortificação, na qual uma morte colabora para todas as outras, numa cadeia doentia e miasmática.
Por que, então, chamarmos de "vida" o que não passa de uma seqüência ou um grande processo gradual e global de morte? Por que tanto colorido ao que é tão descorado, tão lúgubre, tão amargamente doloroso? Ironia? Esperança? Otimismo? Nos enganamos desde o princípio ao chamar morte de vida; e já que é assim, há alguma lógica em chamar "morte" justamente o ponto onde essa grande e eterna mortificação deixa de acontecer para algum indivíduo? Faz qualquer sentido dizer dela um desprazer, sendo que sabemos muito bem que na verdade só o é para os que ficam "vivos"?
Ora, e não tente, nem por um momento, expressar qualquer tipo de acusação simplista de niilismo (completo ou incompleto, ativo ou passivo) ou pessimismo ao que digo. Não desacredito em nada, nem intento abolir qualquer valor. Quero só chorar uma morte - não de um amigo, pois que isso ainda nunca me aconteceu -, mas de um crítico. E não só: chorar a minha própria, e a de cada um. Sabendo que é tudo o que temos; que só o que é possível é a morte. Que morte é tudo o que vamos experimentar, até nosso fim.


E ainda não faz sentido algum.

13 comentários:

Ferreira, Lai disse...

É, agora começo a acreditar na parte em que você chora como uma garotinha.

Prefiro morrer a ficar velha.

Igor Dorneles disse...

Oras Daniel você tem toda razão, a vida é processo continuo para morremos, mas por que não podemos ser otimistas com fato de estarmos morremos, afinal que convenção babaca essa que a morte tem que ser triste, afinal que fim é esse? De permanecer num mundo hediondo, sujo e podre. Daniel nossa historia é repleta de mortes, guerra e violência, mas todos desejamos ir pro céu, eu rio disso, pessoas cruéis que todo dia fazem de repressão que odeiam ainda tem coragem de julgar alguém, cara você precisa relaxar falar mais eu te amo fale pra pessoas eu te amo, aproveite a vida ou a morte como preferir ver, seja um medroso, tema o fato de que morremos mais sedo ou mais tarde ignore isso e girls just wanna have fun. Seja uma garota mongol.

Brinks.


bota uma ropa e vai dançar! aihsaiuhsahsuia

chayenne f. disse...

eu não sei nem lidar com sono e sonhos, imagina com morte.

Daniel Gaivota disse...

A morte me persegue desde pequeno, então não importa o que vocês digam aqui, eu já pensei. Eu já me conformei, eu já aprendi que a morte é uma coisa boa, já aprendi a me desapegar, já aprendi que temos é que aproveitar a vida, etc, etc.

Mas não adianta. Dormir e sonhar é morrer. Dizer Eu Te Amo é morrer. Ficar velho é morrer. Viver é, inevitavelmente, morrer.

Não é otimismo nem pessimismo.
É só morte.

Daniel Gaivota disse...

PS: Sinto muito mesmo, sei que essa deveria ser parte da função da arte, mas não dá. Vocês não vão conseguir, por mais que eu tente, sentir o desespero que eu tenho sentido desde que o Paulo morreu. É algo como estar na beira de um penhasco e não poder se segurar em nada, entendem?

Não, eu sei que não.

José Henrique Nogueira disse...

Morro de saudade
Morro de rir
Morro de tesão
Morro de pena
Morro sem saber

Abraço aí Daniel
JH

chayenne f. disse...

provavelmente eu não entendo, mas eu posso te dar um abraço da próxima vez ao invés de um tchauzinho feliz como sempre.
(:

Daniel Gaivota disse...

morreria de alegria.
: )

tile disse...

como pode a morte de alguém, q nem convivíamos tanto, nos afetar dessa forma???
e afetar a tantas pessoas??

incrível pensar q tantas pessoas tenham lembranças tão pessoais com ele!
talvez seja uma coisa boa a se pensar...

Daniel Gaivota disse...

Tile, concordo com você: é incrível como um fato isolado afete a tantas pessoas, estas que acabam se interligando justamente por ele (lembra o que te escrevi na carta?).
E o que escrevi sobre seu comentário no "sobre a amizade" vale novamente. Não foi nem é ruim isso. Nada é ruim. Tudo simplesmente é.

tile disse...

não vou adiantar aqui o q responderei na sua carta, mas concordo...

ele era uma pessoa legal, alguém q nos tocou mto (a cada um de uma forma mas, ainda assim, a todos) qnd em vida. mas ao invés disso ter simplesmente acabado com a morte, pelo contrário, continuou nos tocando positivamente,pq através de sua morte nos unimos...

Daniel Gaivota disse...

Sim!!

Rafael Shimoda disse...

Por isso a filosofia é um discurso sobre a tragetória de encontro ao perecer, toda nossa vida é, realmente, um 'trilhar o caminho da morte'. Não há outro caminho a seguir, não há escolhas. Nascemos para morrer, a vida pede a morte, é a morte!

P.S.: Po Daniel, nem parece q escreveu um trabalho sobre a afirmação trágica da vida!!