18 de dezembro de 2007

Épico (Parte I)

Eu, que vivo solta,
que nunca crio teia,
tenho sangue na veia
e fogo na candeia,
abandonada a qualquer sorte,
sem amigo, sem consorte,
aproveito o mote
e digo sem recorte:
pois ouçam da minha boca,
essa, que não há de mentir,
que antes que fique louca
pretendo repartir
minha história - que não é pouca -,
e pro surdo e pra mouca
não hei de repetir.

Inicio então minha prosa
(que é em verso, na verdade)
debaixo de chuva caudalosa
que no sertão seria novidade
mas que aqui era só chuvosa.
Um peregrino, vulpino,
de olhar acipitrino,
molhado como um menino,
procurando só onde ficar
achou, no bosque escuro,
detrás de grande muro
uma casa a se abrigar.
E dentro da casa, um quarto,
e do quarto, uma mulher.
Mulher de tirar o ar,
de olhar e se apaixonar,
e dentro da mulher, um mar.
Disse ela "Me ajude".
Ao que respondeu o viajante,
hesitante, ofegante,
não obstante o incrível cansaço,
"Minha cara amiga
de face rubicunda
por um prato de comida
e descanso prá corcunda,
diga o quê, e eu faço."
"Essa casa é minha trela",
disse ela,
"minha presilha e fivela.
Não posso sair dela,
pela porta ou pela janela,
e nem pela chaminé."
Olhou-a, e diante dela,
tão linda, tão bela,
ele esquece a procela
que lá fora se desvela
e se põe de pé.
...
(continua)

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