15 de dezembro de 2007

Lê-la

Cansado de romances previsíveis, de poemas enfadonhos, das emoções chorosas dos apaixonados frustrados e das divagações vazias dos intelectuais, encontro minha resposta literária num volume de capa interessante, mas sinopse não muito animadora. Mesmo assim, resolvo folheá-lo, e percebo pelas bordas das páginas que pouquíssimas pessoas avançaram em sua leitura para além da introdução.
Conforme avanço, envolto na atmosfera brumosa de seus primeiros parágrafos, percebo que estou completamente aliciado à trama, intimamente preso às idiossincrasias e aos requintes de sua narrativa, e essa sensação se agrava quando descubro nas plúmbeas primeiras palavras do capítulo dois que o exemplar que tenho em mãos tem aquela estrutura que tanto me agrada num romance: um oscilar entre um texto despreocupado, sem pretensões, que, leve que é, eleva seu leitor a um estado de densidade mental quase nula, e um texto pesado, apanhado de uma sensação de náusea e desolação, sensação que só será dissipada no próximo capítulo, que será marcado pela leveza do primeiro texto (só para ser novamente arrebatado pelo peso paquidérmico do segundo estilo um capítulo a frente, e assim por diante..).
Assim é que sigo devorando cada linha, cada parágrafo dela. Tentar lê-la, decifrá-la, percorrer os signos de seu corpo como se percorre as formas e o contraste do negrume dos tipos com a brancura do papel; descobrir, a cada vez que se lhe revisita, a linguagem rebuscada de algum gesto simples, algum pequeno recurso estilístico presente em alguma minúcia (somente percebido após ler pela segunda ou terceira vez o mesmo trecho), ou a ironia aristofânica de seus suspiros risonhos; supor, tolo, que se consegue tatear algo pertencente ao domínio do interior da esfera fosca de subjetividade na qual ela se encerra.
É assim a excitante experiência de tentar conhece-la: percorrer páginas e páginas do texto envolvente de sua objetividade física e mental, em cujas entrelinhas encontro o entrecho secreto que vai, capítulo a capítulo, me ensinando a embrenhar-me, a tentar alcançar o íntimo da esfera. Leio e leio, e sabendo que ela também me lê, em um impulso inseguro, tento ser o primeiro a terminar, mas isso só pra descobrir, no auge de minha leitura, que este livro, especialmente, nunca, nunca chega ao final.

5 comentários:

Anônimo disse...

eu já tinha lido, quando era o seu perfil do orkut. não cheguei a comentar na época? achei genial

Daniel Gaivota disse...

É que agora que eu me toquei de quem é Moon.. Maíra?

(o link "moon" não funciona..¬¬)

Daniel Gaivota disse...

Esse é um dos meus textos preferidos e ninguém parece lê-lo.




Bem, pensando bem, ninguém parece lê-la também. Se isso a torna mais interessante, há de tornar o texto também.

: )

Ferreira, Lai disse...

Precisa ser aos poucos.

Daniel Gaivota disse...

Mas ele é só um pouco.