1 de outubro de 2009

Se você, por entre as linhas

Foi até a banca de jornais e calmamente escolheu aquele volume cujo título mais interessava. Pensava, se o título é interessante, o escritor é bom. Colheu como fosse um pomo frágil, levou-o ao nariz e cheirou. Pagou. Andou até um banco próximo e abriu na primeira página, curioso, e qual foi sua surpresa ao ver ali, impressos, em tipos absorvidos pelo papel certamente antes de tê-lo tocado com as mãos e cheirado, todas as suas últimas ações, desde ir até a banca até surpreender-se. Parou de ler.
Agora está mirando algum lugar fora do papel, confuso, pensando e concluindo que acaba de presenciar uma absurda coincidência. Olha de volta para o livro e continua lendo, na expectativa desesperada de ler outra coisa senão a si mesmo, mas é inútil. O livro é sobre ele. Respira fundo, mas bruscamente expira exasperado, pois inspirou ao mesmo tempo em que leu a descrição deste mesmo ato. Testa; levanta o braço esquerdo. É, na verdade, incrível! Tudo o que está escrito corresponde exatamente ao que acontece na realidade.
Fecha o livro.
Abre-o só em casa, tendo pensado no caminho nas experiências que poderia fazer com um livro tão inusitado. Só de voltar a ler, leva um susto. Sempre que continua de onde parou, o que está escrito é exatamente o que está acontecendo no momento. Pensa por alguns instantes em como tapear o livro mágico. Folheia: está todo preenchido. Pensar nisso lhe dá calafrios, pois isso quer dizer que tudo o que irá lhe acontecer está já fixo, rígido, talhado em signos pretos que se estendem por – pensa ele – não muitas páginas. Será que, acabando o livro, morre o leitor?
Abre numa página aleatória e passa os olhos na seguinte sentença: “pulou da página dois para esta, e leu esta frase”. Fica com muito medo e volta para onde parara. Pensa em ler o que está escrito nas últimas linhas do livro pra saber seu fim, mas se não há nada depois do que leria, e se o que ele ler, invariável e inevitavelmente, acontecerá... bem, ele prefere não ler.
Estando literalmente com a vida nas mãos, ele continua lendo, quando tem uma idéia. Diz em voz alta que vai dar um salto, mas não cumpre. Pega uma caneta na escrivaninha e, com ela, risca as palavras 'mas' e 'não'; se pensa, satisfeito, vitorioso, ao concluir que o livro, afinal, predisse errado. Depois continua a leitura e vê que foi inútil; a descrição do ato segue. Se sente um pouco estúpido por ter tentado algo tão bobo.
Percebe que o primeiro capítulo do livro está quase no fim, e conjetura o que acontecerá quando um capítulo acabar. Sente um pouco de receio, mas continua lendo. Lendo tudo o que lhe acontece, o que faz, o que pensa, todas essas emoções, lendo tudo o que já sabe, agora já não tão surpreso por descrever o livro sua vida, mas sim com desolação. É como se sua vida escorresse pelos dedos; a cada letra que apreende fica mais perto do fim do livro e da sua vida. Nunca antes havia reparado em quão fugidio é o tempo, a existência, o ser.
Faltando poucas linhas para o fim do capítulo, decide. Fecha o livro e corre para o jardim. Enterra-o, vendo sumir sob a terra o título Se Você, Por Entre As Linhas. As três últimas frases do primeiro capítulo ele nunca chegará a ler.

21 comentários:

Anônimo disse...

Ainda não é o que você já foi, Daniel, mas dá pra sentir que, pouco a pouco, você está voltando. Tenho certeza que o próximo texto será sensacional. E você sabe o sentido que dou a essa palavra.

Sim, eu gostei do texto. Mas não quero que pense que estou satisfeito(a).

E não, Daniel, eu não te entendo, nem ninguém entende ou deixa de entender. Você é que se faz entender mais ou menos. Entenda isso, e você escreverá muito melhor.

Daniel Gaivota disse...

Cara, eu acho que eu nem quero saber, mas a pergunta pulula na minha cabeça e só pela força de expressão:

MEU DEUS, QUEM É VOCÊ???

Ferreira, Lai disse...

É VOCÊ!

Daniel Gaivota disse...

Já pensei nisso, eu juro!

Daniel Gaivota disse...

Por que não VOCÊ?

Nah, acho que não.

Ferreira, Lai disse...

Não.
É você, mesmo que não seja.

Daniel Gaivota disse...

Meu amigo ia mandar uma mensagem aqui dizendo que se ele fosse mandar mensagens anônimas, ia escolher um nome maneiro, em vez de colocar esse "Anônimo" sem graça.

Pensei: faz muito sentido! Eu também!! Hauhauha!

Ele não mandou porque o Anônimo pode ser algum tipo de stalker, maníaco, serial killer, sei lá, ia acabar perseguindo o moleque no blog dele (também). Hahaha!

Daniel Gaivota disse...

Mas eu realmente me identifico com o Anônimo. Às vezes acho que ele é uma versão melhorada e mais sucinta de mim. E menos simpática, talvez.

Day disse...

Daniel,
você deu muita sorte de achar o Anônimo. Siga os conselhos dele. Se seguir você realmente vai melhorar.

Agora a minha opinião:
O conto como um todo é bom. Mas o final é meio brochante. O final do conto é algo essencial. É o final que determina se a pessoa vai fazer aquele movimento de releitura tão importante em textos curtos.
Da próxima vez perca mais umas meia hora só pensando no final.
;)

P.S.: É isso aí, voltei ao mundo virtual, pode ir lá me xingar. =)

Anônimo disse...

Ora, Daniel, por que descartar a possibilidade de que eu seja você?

Anônimo disse...

Daniel, você é muito especial e mágico! beijos da sua little sister

PS: We are brothers...........

Daniel Gaivota disse...

1 - Day, na verdade, foi o Anônimo que me achou. Eu nem sei de onde ele ou ela surgiu.
O fato é que eu sou cria de Saramago e Calvino, que são uns caras meio anti-final. Nenhum deles sabe terminar o que escreve, e eu acabo não sabendo, até porque não quero. Queria poder deixar tudo em aberto sempre. Mas é um bom conselho, preciso realmente pensar isso.
Quanto a te xingar, sei que você adora (lembra um e-mail que te mandei de aniversário há uns anos te xingando muito? hahaha), então qualquer hora passarei lá.
;)

Daniel Gaivota disse...

2 - Anônimo, eu não descartei ainda. Pensando praticamente, consegui pensar em sonambulismo e viagem no tempo. Ai, pensando melhor, percebi que muitas pessoas são eu. Algumas são tão eu que as vezes eu me pego confundindo, achando que eu sou elas.
Acho que eu sou você, muito mais do que você me é. E mais ainda do que eu me sou.

Daniel Gaivota disse...

3 - Dodô, te amo, sua rata.

PS: We can nhoc-nhoc-nhoc...

Rafael Shimoda disse...

Não seriam as últiams QUATRO linhas?!!?!? ^o)

Rafael Shimoda disse...

Ah, eu gostei do final ^^












Claro que sendo eu, leria até a o fim, mas...

Daniel Gaivota disse...

Três frases, Rafael! Hauhauha!

Eu não sei o que eu faria! Não dá pra ler o futuro nele, não dá pra pular.. Você ia passar o resto da sua vida lendo o que já está experimentando; ia ler um livro de trezentas páginas sobre você lendo um livro de trezentas páginas.
Ia ser meio chato.
Acho que, pra ninguém poder ler, eu esconderia muito bem, até enterraria (não queimaria algo tão maneiro!).

Acho que o que a Day quis dizer é que foi muito rápido, entrecortado, o final.
Mas é porque não é pra ser um final também. É pra ser um conto cortado no meio. É só o primeiro capítulo, e primeiros capítulos não precisam ter um final de verdade.

Day disse...

Não tinha pensado por esse lado... Isso realmente faz sentido...
Mas continuo achando que deveria ser mais trabalhado.

Daniel, você é daquelas pessoas que não mexem mais num texto depois que ele tá escrito?..

Não tô dizendo pra mexer nesse. É só uma pergunta geral, uma curiosidade.


P.S.: Eu não lembro direito do email de aniversário me xingando. Mas ainda lembro da carta pra Sofia. Você lembra?
Interessante pensar que eu lembro mais de uma coisa que você escreveu pra outra pessoa do que de uma coisa que você escreveu pra mim....

Daniel Gaivota disse...

Sim, eu lembro da carta. Essa carta foi realmente uma das cartas mais importantes da minha vida, ela acabou sendo destinada a algumas pessoas que entraram na minha vida e que eu amei mesmo. Mesmo que essas Sofias não estejam mais por perto (e, falando nisso, eu nem lembro onde está essa carta), estão.

PS: Sim, eu mexo neles. Mexo o tempo todo. Meu primeiro post desse blog dizia isso, depois dá uma olhada. Acho que chama-se "Princípio".

Dona Sra. Urtigão disse...

Ao retribuir a visita,fiquei feliz pelo passeio aqui. Bons textos.

Daniel Gaivota disse...

Obrigado! :)