14 de setembro de 2009

Conto da Ilha Desconhecida II

Último domingo passado visitei, como programa familiar – pois algo semelhante não acontecia há mais tempo do que o suficiente pra que minha mãe se deprimisse –, a ilha de Paquetá, no espaço marítimo do Rio. Entre o objetivo de passar um dia com minha mãe e irmãos, pretendia fazer algum exercício físico (pois me disseram que andava abatido pela falta disto) e abraçar um baobá que há na ilha. Pois diz a lenda que você abraça um baobá e pode esquecer qualquer coisa que quiser. Diz outra que o que você faz ao baobá volta pra você sete vezes (ou durante sete anos, não lembro bem), mas estive mais interessado na primeira.
Foi um passeio de fato muito agradável, conheci pessoas ótimas, fiz meu exercício físico, e em dado momento, quando me vi sozinho por quaisquer motivos, fui a um mirante que há na ilha. Subi por escadas serpenteantes, num labirinto de pedras que não parecia fazer sentido algum, dado que todos os caminhos acabavam confluindo, e lá na frente, lá em cima, uma construção que parecia ter algum objetivo, mas que não soube adivinhar qual. Era uma construção octogonal, como um coreto, com primeiro e segundo andares, o de cima funcionando como uma varanda, de onde pude ver o mar até um ponto muito longínqüo.
Ilhas me atraem por algum motivo. Lá do mirante lembrei minhas fantasias infantis, de como eu, em vez de astronauta ou jogador de futebol, sempre quis ser um pirata. Navegar pelo oceano, ancorar próximo a ilhas desertas, descobrir tesouros, enfrentar os perigos e a solidão enorme do mar. Lembrei de como adorava histórias como Viagens de Gulliver, Robinson Crusoé, A Ilha do Tesouro (do Stevenson), Peter Pan, e como hoje, quando leio livros como A Invenção de Morel, me encanto. Ilhas me atraem muito. Lembrei então do conto do Saramago e (na minha atual tendência para mudar de humor bruscamente), fiquei consternado, pois lembrei, triste, que já não há mais ilhas desconhecidas. Não há mais tesouros enterrados. Tudo já foi visto, documentado e estudado. Me provaram de algum jeito que Lilipute e a ilha dos meninos perdidos não existe no planeta Terra, e por mais vontade ou equipamentos de navegação que eu possua, nunca vou alcançá-las ou alcançar qualquer lugar em que nunca tenha pisado alguém.
No meio de tudo isto pude ver, lá embaixo, na água, um barco. Não é a coisa mais incomum, pensarão ao ler isto, um barco a boiar. A água da Baía não é limpa, mas é passível de navegação, e não raro é ver barcos por ali. Mas com calma eu explicarei que não era uma lancha ou um barco a motor. Era um barco veleiro, aparentemente muito antigo, cujo nome não pude ver na proa, mas que era pintado em letras bonitas, vermelhas e maiúsculas. As velas estavam afrouxadas e o casco saboreava as ondulações como se aproveitasse, como se sorrisse. Não sei por quais diabos resolvi ver mais de perto o barco. Talvez para saber seu nome. Desci as escadas serpenteantes, que agora me pareciam mais lógicas, e cheguei até o lugar de onde veria melhor o barco. Para minha surpresa, havia um pequeno pier de madeira que se estendia uns dez metros sobre o espelho d'água, e um pequeno bote de madeira amarrado numa das pontas. Alguém viera daquele veleiro neste bote e estava na ilha agora.
Virei as costas, para voltar ao lugar onde estavam as pessoas com as quais vim para a ilha, mas tudo o que eu fora outrora, num ímpeto, voltou a mim. O pirata, o náufrago, o aventureiro, o explorador, desbravador, aquele que descobriria uma ilha nunca antes pisada por homem algum; eu cresci e deixei pra trás a melhor criança que já existiu. Eu sou um menino perdido que deixou a Terra do Nunca! No momento em que tudo isso me assolou, virei de volta para o bote, mãos na cintura e pernas entreabertas, e pensei que não podia, mesmo, deixar nada daquilo se esmaecer e se perder no tempo. Saltei pra dentro do bote, desamarrei a corda que o prendia ao pier, remei até o veleiro e subi as escadas, o coração batendo como um tamborim.
O barco me recebeu como se eu fosse seu capitão, e eu por um momento pensei que, se eu soubesse navegar e se tivesse comigo, ali, uma tripulação, poderia muito bem içar as velas e sair pelo oceano em busca de uma ilha. Há de existir uma ilha deserta, uma ilha inexplorada, algo que tenha passado despercebido aos radares, satélites e telescópios. Há de existir um lugar mágico que engane os que vejam de fora, ou que seja invisível aos pragmáticos, aos céticos, aos de pouca imaginação. Não! Ela existe! A minha ilha desconhecida existe, e cartógrafo nenhum vai me dissuadir!
Estava a boreste, então corri ao convés, e quando olhei, minha tripulação estava pronta! Lemuel Gulliver no mastro, Robinson Crusoé na escota e no burro, Jim Dawkins com os cabos, o fugitivo da ilha de Morel na bolina e ele, o próprio Peter Pan, como o meu navegador. Eu, como timoneiro, manejei o leme, e como capitão, ordenei a Gulliver que esticasse a vela. A esteira, no ângulo com a testa, logo rangeu um pouco. Somente com o rosto, percebi o barlavento. A retranca não tinha um grande ângulo de abertura; cacei a escota até a vela esticar. Orçei sutilmente e a vela começou a panejar. Ordenei à tripulação que se dispusesse de modo que o barco bandasse um tanto para sotavento. Mandei que Crusoé e Dawkins prestassem atenção extra ao burro e aos cabos da testa e da esteira, pois afastávamo-nos de Paquetá e o vento ficava mais forte. Girei à arriba até o vento estar de través. Eu não fazia ideia de como sabia isso tudo ou quando havia aprendido a velejar, mas eu sabia! Era capitão de um navio! Eu navegava rumo a encontrar minha própria ilha desconhecida!
Seria uma ilha não muito grande, verde; um verde mais verde que qualquer outro visto antes – pois seria um verde que só existiria nesta ilha. Haveria cachoeiras e cavernas escondidas atrás delas, e animais nunca antes estudados. Algum náufrago, quem sabe, já haveria de ter morado ali algum dia, e talvez houvesse escrito algo e escondido pela ilha. Quem sabe houvesse algum tipo de magia, feitiçaria, ser sobrenatural, algo digno de uma lenda, de uma ilha que por algum motivo ninguém descobriu antes de mim. Minha ilha seria fantástica, cheia de mistério, cheia de beleza.
Minha ilha seria cada coisa e pessoa que eu tento encontrar e descobrir no mar em que navego, mas que me dizem já ter sido conhecida. Minha ilha desconhecida seria como cada segundo que vem, e que me é completamente imprevisível, inusitado e de certa forma, incrível. Minha ilha seria como eu, que não conheço e que nunca saberei se já conheci. E quando eu lá chegasse, da praia, lembraria de olhar para o barco (ainda não descobri seu nome!), e ai sim entenderia: como o barco do conto de Saramago, o meu também navega em busca de si; na madeira gasta da proa, em letras vermelhas, lerá-se, agora sem dúvidas, a solitária palavra pela qual me chamam: o barco tem o mesmo nome que eu.

9 comentários:

Ferreira, Lai disse...

E o primeiro conto, onde está?

Daniel Gaivota disse...

O primeiro não é meu e humilha este, então prefiro não dizer.. hahaha!

(sério, o original é MUITO bom.)

Ferreira, Lai disse...

HUNF!
Assim não vale.
/=

Desvairado disse...

Merda!

Já fizeram a pergunta que eu faria...

:(...

Daniel Gaivota disse...

Foi mal gente. Já ando escrevendo mal, imaginem me comparar com um bom autor? Fico, como o Anônimo me faz pensar, no chão.

Falando nisso, cadê ele?

Beatriz Fig disse...

Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap!
Eu gostei, achei muito bom e cada texto é um texto, cada autor é um autor é para um texto ser comparado e dito ruim tem que estar com erros de português, discordância, confuso e coisas do tipo. ;p

E o que eu pensei sobre a ilha vc escreveu no meio do texto. Ela existe pra vc e é isso o que importa.

:)

Daniel Gaivota disse...

Que ridículo: estou no meio de uma crise de auto-afirmação e tudo o que eu espero é um comentário de um anônimo.

Acho que só ele me entende.

Ferreira, Lai disse...

Só ele é você.

Ferreira, Lai disse...

Eu tenho saudade de Daniel e uma viagem.
De barco a navegar por aí.

(balitint)