11 de agosto de 2009

Silêncio(s).

Lá estava eu, sonolento, acompanhando ao rito massante, desgastante, a que a igreja católica faz seus fiéis passarem para qualquer que seja o fim. Meu tio foi o último dos cinco irmãos a se casar, mas logo que o fez já tratou de perpetuar seus genes. Agora, um ano depois, fomos a família toda acompanhar o batizado do guri, que é de fato uma graça.
Meu avô gostaria de estar lá, acho, mas ele morreu há alguns anos. Rui, o Cão. Era um homem no mínimo sacana, bronco, bufava, fazia piada com tudo e todos, mas ao mesmo tempo era completamente sensível. Meu tio saiu à imagem. Eu e meu irmão sofremos nas mãos dele, e até hoje sofremos um pouco. Que o filho dele nos aguarde!
O bonito nessa parte da história é que o garoto estava sendo batizado, e até o nascimento ninguém sabia o nome; meu tio disse que "veria de quê o bebê teria cara". Surpresa emocionada de todos foi chegar na porta do quarto e ler o nome do bebê inscrito: Rui.

Bem, eu estava lá na igreja, sonolento, pensando essas coisas todas, mas mal sabia onde estaria no outro dia. Lugar que não visitei por muito tempo, por não agradar aos sentidos nem à razão. A necrópole de túmulos e placas e jazigos que é o cemitério de Petrópolis chega a ser maior que algum bairro, aposto. Meio sem jeito (pois não sei qual a postura adequada a estes lugares) encontrei o caminho por entre todo aquele mármore e cheguei ao sepulcro que procurava.
Meu pai sempre contou que meu avô, que eu não conheci, era a pessoa mais boazinha do mundo. Ele era carpinteiro e fazia brinquedos pros meus tios. Nunca levantou as mãos pra bater num filho, exceto por uma vez, mas passou a noite numa cadeira chorando. Histórias de papai. O fato é que, na verdade, meu pai sim era a pessoa mais boazinha que eu conheci. Tinha uma barba e um físico ameaçadores, uma mão maior ainda, mas um nariz de batata, olhos e sorriso bobos, de quem não faria mal a ninguém. E eu, fora o porte físico (que ficou de herança pro meu irmão, acho), sai à imagem.

O cemitério, deserto, proporcionava um silêncio que não lembro ter ouvido antes, embora agora julgue sim tê-lo experimentado em dado momento. Sentado no jazigo do meu pai e avô, os sons todos desapareceram do mundo, e os movimentos também (até porque tumbas de pedra não se movem sozinhas). Tudo estagnou e o tempo parou de andar - ou correr. Só há tempo quando relativo à vida, pensei. Sensação semelhante à de dois dias antes, no momento em que o padre jogou a água na cabeça do menino. A igreja silenciou, as respirações cessaram, o mundo inteiro parou por um segundo, até o barulho da água soar. Aquele silêncio foi exatamente o mesmo do silêncio do cemitério, quando o tempo parou. Nos dois momentos, no calor da vida nova do pequeno Rui e na frieza da velha morte do meu grande pai, todo o mais deixou de soar, para ouví-los, talvez.

Acho que essa é uma das razões para minha vontade absurda de ter um(a) filho(a): enganar o Tempo. Reproduzir num futuro o que já foi passado, ainda que eu nem saiba que foi, e anular completamente a noção de presente. Um novo Rui bufando e mexendo com os netos, um vovô Zezinho revivido pelo neto que não conheceu, meu pai em mim, eu em meu pai, e os dois em meu filho - que também não vai conhecer o avô, mas que vai ouvir histórias incríveis sobre ele. E quem sabe, dessa vez, modificando um pouquinho o ciclo, a história possa ser diferente, e meu filho possa dizer, em tempo, o quanto ama seu pai.

Do passado ou do futuro pouco sei e pouco saberemos, mas nessa minha eterna (faz sentido?) batalha com o Tempo, descobri ao menos que a vida é só um ir ou vir, tanto faz o sentido. O silêncio do nascer é o mesmo do morrer, e nestes dois momentos o tempo sucumbe. O meio não interessa agora, tenho a vida pra tentar entendê-lo. Mas o silêncio dos seus extremos me fez perceber isto, que considero agora indispensável:

Nascer e morrer são, essencialmente, a mesma coisa.




Feliz dia dos pais; eu te amo.

6 comentários:

Beatriz Fig disse...

É um post tão pessoal que não me atrevo a comentar muito, apesar de escrever muito.

Ah! Se todos pensassem nos filhos assim. Hoje todo mundo só faz e "joga no mundo". Bonita visão sobre isso!

Acredito que temos um plano a cumprir (talvez pq isso dê algum sentido a vida) e se morremos nesse mundo, nascemos num outro, por isso nascer e morrer seriam a mesma coisa. Fora que o corpo morre, a pessoa não.

=}
_o_

beijoss

Gi disse...

Dan..

Jamais pensei que vc me faria chorar tanto! Mas fez.. Não sei dizer ao certo pq, acho que é pq esse texto é mto carregado de emoções (as suas, aquelas mais profundas) e silêncio(s)!

Me senti mais perto de vc dps disso! Inexplicavel.. Mas mto verdadeiro da minha parte!

;*

P.S. Fiz um blog! Jura não rir dos meus textos, tah?! ahuiahiahuhaihai..

Anônimo disse...

Quando vc tenta ser sentimental, acaba com grande parte da sua genialidade.

Vc não é um ser sentimental, Daniel, é um ser sensacional.

Entenda como quiser.

chayenne f. disse...

Pai e morte são minhas maiores fontes de medo. Sempre lembrando que ambos fatalmente andarão juntos por muito muito tempo.

Rafael Shimoda disse...

Daniel, esse é o texto mais "sessão da tarde" que eu vi aqui...

Ana Beatriz disse...

Foi então que pensei no que disse no MSN ... Na sua vontade de escrever algo no dia dos pais. Não dei muito crédito, você iria esquecer de ir no cemitério e de escrever... É, você escreveu... E me fez ter vontade de chorar =(